Brasil chega a Tóquio com redução inédita no orçamento do Bolsa Atleta

Beatriz Farrugia
4 min readJul 25, 2021

Ciclo olímpico de 2017–2021 registrou queda de 17% no orçamento. Foi a primeira redução em toda a história do Bolsa Atleta

O Programa Bolsa Atleta sofreu uma queda de 17% em seu orçamento total durante o ciclo olímpico de 2017–2021. Foi a primeira vez desde a criação do programa federal, em 2005, que houve redução orçamentária entre ciclos olímpicos, período que corresponde aos anos decorridos entre os Jogos Olímpicos.

De acordo com dados obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) junto ao Ministério da Cidadania, no ciclo olímpico de Tóquio, apesar de ter um ano a mais na contabilização do orçamento devido ao adiamento dos Jogos, o montante total destinado ao programa foi de R$ 530,45 milhões, contra os R$ 641,18 milhões do ciclo das Olimpíadas do Rio de Janeiro (2013–2016).

Desde 2005, o orçamento do Bolsa Atleta crescia de 100% a 200% a cada ciclo olímpico. Mas, em 2014, essa tendência começou a se reverter e, durante o mandato do presidente Michel Temer, o programa passou a dar indícios de que não havia orçamento suficiente para sua manutenção.

Quando assumiu a Presidência, Jair Bolsonaro colocou como meta para os seus 100 primeiros dias de governo a modernização da Bolsa Atleta. Em 2019, Bolsonaro alocou R$ 140 milhões para o orçamento do programa, o que representou R$ 91 milhões a mais de verba que o ano anterior, e incluiu três mil atletas que haviam ficado de fora do benefício.

No entanto, para equilibrar as contas, o governo Bolsonaro aproveitou o cenário atípico da pandemia de coronavírus e não lançou edital do Bolsa Atleta em 2020.

Por e-mail, o Ministério da Cidadania disse, porém, que manteve, em 2020, os repasses para 6.357 atletas das categorias Estudantil, Atleta de Base, Nacional, Internacional e Olímpica/Paralímpica, além de 274 atletas do Bolsa Pódio. “Todos eles, que foram contemplados no edital de 2019, continuaram recebendo de forma regular, mesmo com o adiamento dos Jogos de Tóquio”, ressaltou a nota.

Bolsa Atleta garante medalha nas Olimpíadas?

Criado em 2005, o Programa Bolsa Atleta é uma das maiores iniciativas do mundo de repasse de verba diretamente a esportistas, sem intermédio de clubes, federações e confederações.

Dos 302 atletas que compõem a delegação brasileira em Tóquio, 240 (79%) fazem parte do Bolsa Atleta, segundo a Secretaria Especial de Esportes do Ministério da Cidadania. Das 35 modalidades olímpicas, em 19 delas, 100% dos atletas são bolsistas: badminton, canoagem slalom, canoagem velocidade, ciclismo BMX, ciclismo Mountain Bike, esgrima, ginástica artística, hipismo de adestramento, levantamento de peso, maratona aquática, pentatlo, remo, saltos ornamentais, surfe, taekwondo, tênis de mesa, tiro com arco, tiro esportivo e vôlei de praia.

Mas não há relação direta entre o investimento no programa e a conquista de medalhas em Jogos Olímpicos, de acordo com as pesquisadoras Mayara Ordonhes e Isabelle Costa, da Universidade Federal do Paraná e as quais publicaram um estudo sobre o tema.

“O fato do atletismo receber mais verba do Bolsa Atleta que o golfe, por exemplo, não significa que o Brasil terá mais medalhas no atletismo”, disse Costa.

Isso porque o trajeto de um atleta até o pódio olímpico depende de vários fatores, não apenas do aporte financeiro.

“Várias coisas influenciam a formação de um atleta, e muitas dessas coisas não são mensuráveis, como apoio técnico, nutricional, estrutura para treinos, e até questões emocionais e psicológicas”, acrescentou Ordonhes.

A importância do programa, portanto, está atrelada ao fato do atleta ter recursos mínimos para se manter no esporte. “O Bolsa Atleta visa oferecer a condição mínima para o atleta competir, treinar, e ocupar o seu tempo para o treinamento”, explicou Fernando Mezzadri, do Instituto de Pesquisa Inteligência Esportiva.

Na prática, uma redução no Programa Bolsa Atleta abre espaço para que atletas desistam da carreira devido às dificuldades financeiras.

“Quando os atletas atingem os 18, 19 anos, muitos começam a sentir a necessidade de ir para o mercado trabalhar. É aí que a gente perde nossos talentos”, disse o medalhista e treinador Abel Curtinove.

Aos 29 anos, o atleta do município de Blumenau no salto com vara confessa que o Bolsa Atleta foi o motivo pelo qual não desistiu do atletismo. Medalhista internacional e campeão do Trofeu Brasil 2020, Curtinove nunca recebeu patrocínio privado.

“Tenho 13 anos de carreira e nunca tive um patrocinador privado, mesmo conquistando grandes resultados”, contou Curtinove, ressaltando que, mesmo competindo por grandes clubes, como o Esporte Clube Pinheiros e recebendo um auxílio, precisava trabalhar ao mesmo tempo.

“Ocupei a 58ª posição no ranking olímpico mundial e eu não consigo me dedicar 100% ao esporte porque não tenho patrocínio privado, não tenho material”, desabafou.

Atualmente, Curtinove faz campanha online para conseguir doações para comprar uma vara de salto. “Com a marca de 5,45m, atletas já se classificaram para as Olimpíadas. Eu consegui a marca de 5,42m, mas não tenho recursos para adquirir o material adequado. Vou entrar no meu último ciclo olímpico”, disse o atleta, que sonha em disputar as Olimpíadas de Paris em 2024.

O programa é dividido em seis categorias de bolsas:

  • Atleta de base: R$ 350 mensais para atletas de 14 a 19 anos filiados a federações ou confederações;
  • Estudantil: R$ 370 mensais para atletas de 14 a 20 anos participantes de jogo estudantis;
  • Nacional: R$925 mensais para atletas que competem em torneios nacionais;
  • Internacional: R$ 1.850 mensais para atletas que competem em torneios internacionais;
  • Atleta olímpico/paralímpico: R$3.100 para atletas integrantes da delegação brasileira nos últimos Jogos Olímpicos/Paralímpicos;
  • Pódio: R$5 a R$15 mil para atletas com chances de medalhas nos Jogos Olímpicos/Paralímpicos. Essa modalidade foi criada em 2013 e tem edital separado, mas o orçamento está dentro do Programa Bolsa Atleta.

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